TRÊS DIMENSÕES DO TELETRABALHO NO ÂMBITO DA REFORMA TRABALHISTA.
Fernando Hugo R. Miranda[1]
Não há dúvidas de que o teletrabalho representa, na atualidade, uma das mais relevantes tendências de organização produtiva. O desenvolvimento da tecnologia da informação e comunicação, aliado com os ganhos de produtividade e mobilidade, ampliaram de forma significativa o interesse pela figura.
A despeito de tudo, a legislação trabalhista, é possível afirmar, representava um ambiente de risco ao empregador optante da figura. Basta relembrar que a única disposição da CLT diretamente relacionada ao teletrabalho consta do artigo 6º da CLT, com redação dada pela Lei nº 12.551/2011:
Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011)
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011)
Ao equiparar de forma plana o trabalho realizado por meios telemáticos e aqueles realizados sob o controle direto e presente do empregador, a legislação impunha grandes riscos à utilização da figura, sendo possível indicar, preponderantemente, três aspectos:
i) a questão da duração do trabalho;
ii) a questão da alteridade dos custos do trabalho (dispêndios com máquinas, etc);
iii) a questão da responsabilidade civil, principalmente no tocante ao meio ambiente do trabalho.
A Lei nº 13.467/17 enfrentou as três questões.
Em relação à duração do trabalho, o teletrabalho não gozava de disciplina própria. Quando muito, era possível imaginar que o teletrabalho poderia estar abrangido na figura do trabalho externo, e, com isso, sujeito à regra do artigo 62, inciso I, da CLT. A jurisprudência, no entanto, por entender que no teletrabalho subsiste algum tipo de controle da duração do horário do empregado, resistia em dar plena liberdade em relação à duração do horário (é preciso lembrar que o referido inciso I refere também à incompatibilidade de controle de horário).
Nesse perspectiva, a reforma trabalhista acrescentou um novo inciso ao artigo 62, o inciso III. A redação, que não poderia ser mais simples e direta, se limita a estabelecer que aos empregados em regime de teletrabalho não se aplicam as disposições relativas à duração do trabalho. Com isso, aparentemente, a nova redação afasta os problemas que decorriam do entendimento de haver controle na figura.
Com isso, ao menos do prisma legal, é possível afirmar que, estipulado formalmente o regime de teletrabalho, nos termos do artigo 75-A e seguintes, não haverá espaço para discussões sobre questões relativas à duração do trabalho.
A segunda questão diz respeito à alteridade em relação aos custos da realização remota do trabalho. De forma geral, o Direito do Trabalho sempre determinou que custos e riscos da atividade econômica sempre se impunham o empregador, impreterivelmente
No particular, a reforma inova de maneira significativa. Segundo o artigo 75-D da CLT, tais valores serão alvo de livre estipulação contratual. Eis o dispositivo:
‘Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
O texto determina, assim, que caberá as partes definirem contratualmente o que é necessário à realização remota das atividades. Há, portanto, uma mitigação da regra geral de alteridade, de forma que o empregado não poderia afirmar que, embora estipulado certo valor indenizatório, os custos da atividade seriam superior. Pelo novo texto, se deu uma mitigação na regra geral, transferindo-se ao contrato a estipulação dos valores a título de cobertura dos custos remotos da atividade. Igualmente, foi definida a natureza indenizatória do montante contrato.
Em terceiro lugar, há a questão da responsabilidade civil, principalmente em decorrência de acidentes que ocorram ao tempo da realização do trabalho remoto.
Nesse particular, a legislação não foi tão contundente como nos casos anteriores. Ao invés de criar critérios para a definição mais clara da responsabilidade civil, o legislador se limitou a determinar incumbir aos empregadores que instruam o empregado acerca das precauções a serem seguidas. Eis o dispositivo:
Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.’”
Não houve, assim, uma definição muito clara e específica sobre eventual nexo de causalidade entre a atividade realizada remotamente e a responsabilidade do empregador. Tal aspecto, portanto, deverá ser tema de aprofundamento e maturação pela jurisprudência.
[1] Doutor e Mestre em Direito do Trabalho pela USP. Advogado.
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